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sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Pag. 190

Nada me comove que se diga, de um homem que tenho por louco ou néscio, que supera a um homem vulgar em muitos casos e conseguimentos da vida. Os epilépticos são, na crise, fortíssimos; os paranóicos raciocinam como poucos homens normais conseguem discorrer; os delirantes com mania religiosa agregam multidões de crentes como poucos (se alguns) demagogos as agregam, e conseguem uma força íntima que estes não logram dar aos seus sequazes. E isto não prova senão que a loucura é loucura.

Fernando Pessoa in "Livro do Desassossego".

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Pag. 190

Depois de uma incursão larga na grande poesia, aos montes da aspiração sublime, aos penhascos do transcendente e do oculto, sabe melhor que bem, sabe a tudo quanto é quente na vida, regressar à estalagem onde riem os parvos felizes, beber com eles, parvo também, como Deus nos fez, contente do universo que nos foi dado e deixando o mais aos que trepam montanhas para não fazer nada lá no alto.

Fernando Pessoa in "Livro do Desassossego".

Pag. 183 / 184

Parece, até, que o Destino tem sempre procurado, primeiro, fazer-me amar ou querer aquilo que ele mesmo tinha disposto para que no dia seguinte eu visse que não tinha ou teria.

Fernando Pessoa in "Livro do Desassossego".

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Pag. 193

Tudo quanto pensei, tudo quanto sonhei, tudo quanto fiz ou não fiz - tudo isso irá no outono, como so fósforos gastos que juncam o chão em diversos sentidos, ou os papeis amarrotados em bolas falsas, ou os grandes impérios, as religiões todas, as filosofias com que brincaram, fazendo-as, as crianças sonolentas do abismo.

Fernando Pessoa in "Livro do Desassossego".

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Pag. 186

Os sentimentos que mais doem, as emoções que mais pungem, são os que são absurdos - a ânsia de coisas impossíveis, precisamente porque são impossíveis, a saudade do que nunca houve, o desejo do que poderia ter sido, a mágoa de não ser outro, a insatisfação da existência do mundo.

Fernando Pessoa in "Livro do Desassossego".